quinta-feira

Seis

Ela tinha cabelos bem curtos e crespos e se chamava Rosi. Era miúda, mesmo na minha recordação e para os meus olhos de criança. Ela cuidava da gente, de mim e da minha irmã, e eu gostava dela porque me deixava fazer bolos, mesmo eu sendo tão pequena e não entendendo nada de cozinha. Gostava dela também porque fazia pipoca em algumas tardes, que naquela época passavam vagarosas. O apartamento vazio da ausência dos pais pontilhado pelo som da TV, pela campainha tocada por algum amiguinho do prédio, pela pipoca estourando a nossa gula. Rosi parecia próxima de nós. Um dia chegou preocupada, que o irmão tinha sumido. Eu não entendia o que era sumir, como se podia sumir? Só ela sabia o que significava sumir assim. Pediu licença para usar o telefone e perguntar em hospitais e em outro lugar que eu não conhecia, o necrotério; algum desses lugares encontrara o irmão? tinham visto chegar alguém como ele? Naquele dia, porém, nada. Rosi veio e foi embora, os gestos abafados, tentando não pensar em voz alta o que a experiência lhe sugeria. No dia seguinte voltou, ainda desorientada. Até que no meio da tarde o telefone tocou e era sua mãe avisando que o irmão tinha sido encontrado, morto, numa das ruas do bairro onde moravam. Rosi não gritou ou gemeu ou chorou. Rosi não fez nem um aaah.. Comentários breves e resignados, pareceu agradecer que ao menos haveria corpo a velar. Eu, no entanto, muito espantada frente a esse despenhadeiro recém-aberto: aos seis anos, aprendendo que a vida de uns não vale como a de outros e que a morte, indizível, também pode ser banal. Rosi, subitamente, vista em toda a distância que guardava em relação a nós. Vai ver por isso ela ficou pequena na minha lembrança - não importa quanto tempo passe, vista sempre àquela distância, o abismo entre nós.

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