quinta-feira

quatro mil trezentos e oitenta

- boa tarde. eu queria ir até a lapa, por favor.
- sim, claro. prefere ir pela marginal?
- ainda é cedo... acho que podemos ir pela marginal.
- a senhora é quem manda. está vindo de onde?
- de brasília. lá estava tão seco... ainda bem que aqui está essa garoa. choveu estes dias?
- pouco.
o trânsito é pesado, mas segue ininterrupto - ainda que lento.
- sabe que outro dia vi um táxi fugindo de uma tentativa de assalto, aqui nesta avenida?
- ...
- acho que ele seguiu o passageiro desde o aeroporto. ainda bem que não aconteceu nada mais grave. é difícil trabalhar na rua.
- imagino que sim. é tensão constante: o trânsito, a violência, os pedestres.
- pois é. eu queria me aposentar, sabe? estou há muito tempo na praça. mas tem a família, né?
- o senhor tem filhos?
- tenho. dois. a menina é casada, mora com o marido e os meus netos em outro lugar. o menino mora com a gente.
- é o mais novo?
- não, é o mais velho. mas ele sofreu um acidente, faz doze anos, e ficou cadeirante, né? minha mulher cuida dele, que precisa de ajuda. é difícil isso, sabe? ele era tão novinho, dezoito anos só, e aí estava de carona na moto de um amigo quando sofreu o acidente. até estava de capacete, mas foi feio. o amigo não sobreviveu, e ele ficou na cadeira de rodas. a gente envelheceu de repente, o filho que estava quase criado precisando de cuidados todo o tempo... mas ele ao menos ficou vivo. entro aqui?
- pode entrar, sim.
- olha, são doze anos de luta. no começo foi bem difícil, ele ficou bem revoltado. aí com o tempo foi diminuindo a revolta, ele foi aprendendo a fazer algumas coisas nessa nova situação. e a gente também, que tem dia que é mais duro, mas tem dia em que alguma coisa boa acontece. a vida é assim mesmo, né? cada qual com seus fardos, suas dores. vou te dizer que tem hora que ainda é um susto ver meu menino na cadeira. ele nem é mais um menino, claro. mas estando em casa, dependendo da gente, ficou um pouco meio menino, apesar da idade. é nesta rua?
- isso mesmo, já é aqui.
- obrigado e um bom dia para a senhora.
- obrigada, e um bom dia para o senhor também.
o carro se afasta, a mulher e as malas na calçada. o suspiro fundo. tateia as chaves na bolsa, como quem busca uma esperança. o peso dos dias de outra vida agora sobre seus gestos: o fio tênue que a ligara àquele pai, agora ligando-a ao coração da própria vida.

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